quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

UM POUCO DE TERNURA E NADA MAIS


AI, AGUENTA, AGUENTA!... NÃO É, SENHOR FERNANDO ULRICH?
Passou-me pela cabeça a vertigem de o ver a ser tratado neste hospital do Reino Unido. Desculpe-me tal pensamento...
(...) A culpa principal, apontou [a investigação], cabe aos administradores que não quiseram ouvir as queixas sobre as práticas do hospital. Mas a "falta de atenção, compaixão, humanidade e liderança" que conduziu ao "sofrimento aterrador e desnecessário" de tantas pessoas era uma cultura que perpassava por todo o pessoal.

No passado dia 7, escrevi este apontamento no meu Facebook, a propósito desta notícia do Diário de Notícias (em comentário a este apontamento do blogue transcrevo inteiramente o artigo):
http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3041272&seccao=Europa&page=-1

Hoje, no Diário de Notícias, Baptista-Bastos, assina um artigo de opinião que tem a ver com o que eu escrevi no dia 7. Eu já tinha estranhado a falta dos seus artigos de opinião nas duas semanas anteriores. Parece-me estar aqui a explicação. Recomendo a leitura integral do artigo. Está aqui:
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3049766&seccao=Baptista%20Bastos&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco
(também vou transcrever para um comentário a este apontamento o texto de Baptista-Bastos, integralmente)

2 comentários:

  1. Cameron pede desculpa por atos "terríveis" em hospital
    O tratamento desumano dado a doentes num hospital britânico em nome de cortes financeiros levou ontem o primeiro-ministro britânico a pedir desculpas por um escândalo que abalou a confiança dos cidadãos no serviço nacional de saúde.

    No parlamento, o primeiro-ministro desculpou-se pelo que chamou de atos "verdadeiramente terríveis" de negligência praticados entre 2005 e 2009 no hospital público de Staffordshire.
    David Cameron reagiu assim à publicação de um relatório no qual se defende uma mudança "fundamental" de cultura do serviço nacional de saúde britânico para conseguir recuperar a confiança dos cidadãos.
    Segundo o advogado Robert Francis, principal responsável pela investigação que detetou uma taxa de mortalidade acima do normal no hospital de Stafford, no centro do país, defendeu que são necessárias "grandes reformas" em todo o sistema.
    Os dados recolhidos na investigação sugerem que entre 2005 e 2008 houve entre 400 e 1200 mortes acima do que é considerado normal, mas não se concluiu que todas se deveram ao tratamento dado pelo pessoal aos doentes.
    Os gestores do hospital concentraram-se em cortar na despesa para cumprir as metas definidas pela tutela, mas fizeram-no à custa dos cuidados prestados aos doentes: muitas vezes, idosos ficaram horas sem comida ou água e deitados nas suas próprias fezes.
    Robert Francis salientou que tal tratamento continuou anos a fio porque houve falhas "em todos os níveis" do sistema nacional de saúde.
    "Um serviço que é tão valorizado no nosso país e respeitado internacionalmente está em perigo de perder a confiança do público a não ser que todos os que nele trabalham assumam responsabilidade pessoal e coletiva para afastar as más práticas, onde quer que elas sejam detetadas", defendeu.
    Uma investigação anterior, também conduzida por Robert Francis e publicada em 2010, revelou que os padrões de higiene eram tão baixos no hospital que eram as próprias famílias dos doentes que tinham que mudar pensos ou mesmo lavar sanitas.
    Não havia comida ao alcance dos pacientes e os que não se conseguiam alimentar por si não eram ajudados. Alguns passaram tanta sede que tiveram que beber água de vasos.
    A culpa principal, apontou, cabe aos administradores que não quiseram ouvir as queixas sobre as práticas do hospital. Mas a "falta de atenção, compaixão, humanidade e liderança" que conduziu ao "sofrimento aterrador e desnecessário" de tantas pessoas era uma cultura que perpassava por todo o pessoal.

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  2. Um pouco de ternura e nada mais
    No domingo, 27 de Janeiro, às 5 da tarde, fui internado de urgência no Santa Maria. Respirava com extrema dificuldade, era assaltado por terríveis acessos de tosse, não me mantinha equilibrado e estava apossado de funesta sonolência. Andava nesta obstinada teimosia há uma semana, ante os reparos dos filhos e as reprimendas da Isaura, que custodia as minhas disposições com a benevolência e a firmeza que lhe conferem cinquenta anos de vida em comum. Éramos dois miúdos e durante estes anos todos temos enfrentado vendavais sem conta. Continuamos dois miúdos, um pouco mais velhos.
    Cheguei, pois, ao hospital num estado deplorável, em razão da minha presunção e soberba. Presumiu-se que uma virose me atacara; depois, talvez fosse vítima de embolia pulmonar. O despiste das doenças não impediu a minha acentuada fraqueza. Fui rodeado imediatamente de atenções e de solicitudes que logo notei serem iguais para todos quantos haviam entrado naquele crisol de sofrimento e de espanto. Pertencia, agora, a esta comunidade na qual o abatimento, a dependência, a fragilidade e a perda do recato pertencem ao mesmo número de resignadas admissões.
    Pouco depois fui transferido para o Hospital Pulido Valente. Explicaram-me que, na Unidade de Cuidados Intermédios, dispunha de assistência assídua e especializada, e a minha miséria encontrava resposta na bondade, no carinho, no desvelo de um grupo de raparigas e de rapazes não só atento à medicação, procurando magoar-me o mínimo possível, com o furo nas veias débeis, como me lavavam, me limpavam, me cuidavam com a grandeza de quem não precisa de reciprocidade. A dimensão da humanidade na sua expressão acaso mais nobre. Sou-lhes eterno devedor.
    Ao observá-los e à sua compassiva densidade, apreendi que os macacos sem fé e sem sonho, que nos governam, desejam não só dar cabo do Serviço Nacional de Saúde: eles querem, sobretudo, dissolver os laços de benevolência, essa ligação suave, decente e poderosa entre alma e coração, substância e essência que constituem a construção social e o espírito do SNS. O que são alianças de piedade e de solidariedade entre os que sofrem e os que cuidam, ajudam e amparam, eles ambicionam transformar em gélidas demonstrações profissionais, "justificadas" pelo dinheiro.
    Estes que tais encontram, porventura, na maldita frase do banqueiro Ulrich ["eles aguentam, aguentam"] o mais sórdido apoio aos seus projectos de demolição social e ética. Estão do outro lado das coisas, ignoram a natureza concêntrica das grandes simpatias humanas. Têm o coração oco. Nada sabem dessa humanidade assustada, desvalida, a quem querem roubar o pouco que lhes resta, que sofre nas ruas, nos hospitais, que envelhece no pasmo de desconhecer o que lhes acontece. E ocorre-me a frase de Raul Brandão: "Apenas anseiam por um pouco de ternura e nada mais."

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