quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Adriano Moreira - A política externa e a segurança

ADRIANO MOREIRA

A política externa e a segurança

por ADRIANO MOREIRAHoje
Não passaram muitos meses sobre a oferta da obra completa de padre António Vieira, recentemente editada, ao Papa Francisco, sendo de sublinhar o facto nesta tão conturbada época. Em primeiro lugar, a oferta não buscou certamente ilustrar o Papa com a doutrina do padre, mas torná-lo mais informado da intervenção do sacerdote ilustre e do seu legado missionário, além de analista finíssimo da circunstância da Europa do seu tempo, mostrando-se tão doutrinador dos Evangelhos como conselheiro da atitude do governo perante a circunstância política da Europa cristã que assistia à recuperação portuguesa da independência. É justamente neste ponto que a leitura de padre Vieira vem lembrar aos portugueses que nessa difícil época o poder soberano se encontrava numa debilidade que exigia atenção, decisão e, sobretudo, uma política externa bem estruturada e em mãos seguras, as quais as suas ampararam, como logo se revela nos Escritos sobre os Judeus e a Inquisição, reunidos por José Eduardo Franco e Pedro Calafate.
A iniciativa acrescenta o resultado circunstancial de ser um oportuno ensino para responsáveis pela situação portuguesa atual, quando diz: "O Reino de Portugal, senhor, não melhorando do estado em que de presente o vemos, parece que tem duvidosa a sua conservação, porque, ou a consideremos fundada no poder próprio, ou no alheio, um e outro estão prometendo pouca firmeza." É evidente que a gravidade da situação económica e financeira da União e seus membros implica que os mais atingidos, pelo menos esses, tenham de considerar a importância da política externa (articulada à defesa), como naquela crise advertia o padre, cuidando designadamente em particular da solidariedade da CPLP e do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, mas sobretudo das dependências e interdependências com os poderes de várias espécies, alguns mal identificados e alguns desconhecidos.
Uma política protetora indispensável à intervenção da sociedade civil empreendedora e servidora dos valores cívicos, segura na conquista do mercado externo, mais interveniente, atraente para as comunidades portuguesas do estrangeiro, aplicando por analogia aos tempos de hoje o que o padre no seu tempo tinha, sobretudo, em vista o interesse e cooperação das restantes soberanias, para ajuda do Reino que era frágil. Nesta data, a estrutura da realidade sobre a qual meditava é diferente, mas se os factos mudaram, a novidade não dispensa meditar na fala do conselheiro. Ao contrário de o bom conselheiro ser considerado um valor, a perspetiva de a União Europeia ser a de uma ilha sem circunstância exterior, frequentemente conduz cada membro da União a desacompanhar os riscos da área de segurança e defesa, com os mais ricos a não perderem a memória da passada proeminência que os levava a considerar-se "a luz do mundo", mas sem valorar a segurança das fronteiras que lhe restam, e sem lhes ocorrer a importância da política externa que seja fortalecida por um conceito estratégico bem definido. A reforma do Estado, de que mais se fala do que se formula e executa, ou do "Leviatã" (1651), como alguns preferem dizer, é mais desafiada pela complexidade do "mundo único", cuja estrutura em desenvolvimento é mal conhecida, do que pelas condições severas da vida interna dos Estados isolados, ou reunidos em regiões, como é a União Europeia.
É aparente que cada um quanto mais se integra internacionalmente mais inevitavelmente enfrenta complexidades, e que perde em soberania o que ganha ou perde no emaranhado de redes que o envolvem, ao mesmo tempo que as sociedades civis arriscam perder as bússolas. Por tudo, enquanto os teóricos se vão já perguntando se o Estado conhecido ainda é um instrumento utilizável, obrigam também a não esquecer que os poderes em relação são múltiplos, e de variadas espécies, nem todos conhecidos, pelo que é de primeira urgência dispor de uma restruturação das relações (antes chamadas internacionais) que procure reinventar a bússola que se perdeu.

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