quarta-feira, 29 de julho de 2015

O adiamento devastador da reestruturação da dívida grega - Opinião - DN

O adiamento devastador da reestruturação da dívida grega - Opinião - DN



O objetivo de reestruturar uma dívida é reduzir a magnitude dos novos empréstimos necessários para salvar uma entidade insolvente. Os credores concordam no alívio da dívida para recuperarem o máximo do valor da mesma e para concederem o mínimo possível de novos financiamentos à dita entidade insolvente.

Curiosamente, os credores da Grécia parecem incapazes de apreciar este válido princípio financeiro. No que respeita à dívida grega, houve um claro padrão que surgiu ao longo dos últimos cinco anos. E que permanece inalterado até hoje.

Em 2010, a Europa e o Fundo Monetário Internacional concederam empréstimos ao insolvente estado grego no valor de 44% do PIB do país. A simples menção da reestruturação da dívida era considerada inadmissível e motivo para ridicularizar aqueles de nós que ousavam sugerir a sua inevitabilidade.

Em 2012, como o rácio da dívida em relação ao PIB aumentou desmesuradamente, os credores privados da Grécia sofreram uma redução significativa do valor dos seus títulos (haircut) que atingiu os 34%. Ao mesmo tempo, no entanto, novos empréstimos no valor de 63% do PIB foram adicionados à dívida nacional da Grécia. Poucos meses depois, em novembro, o Eurogrupo (constituído pelos ministros das Finanças dos membros da zona euro) indicou que o alívio da dívida seria finalizado em dezembro de 2014, quando o programa de 2012 estivesse concluído "com sucesso" e o orçamento do governo grego tivesse atingido um superavit primário (que exclui os pagamentos de juros).

Em 2015, no entanto, com o superavit primário alcançado, os credores da Grécia recusaram-se a discutir sequer o alívio da dívida. Durante cinco meses, as negociações mantiveram-se num impasse, culminando no referendo de 5 de julho na Grécia, em que os eleitores rejeitaram esmagadoramente mais austeridade, e a subsequente rendição do governo grego, formalizada no acordo de 12 de julho da Cimeira do Euro. Esse acordo, que é agora o modelo para o relacionamento da Grécia com a zona euro, perpetua o padrão que dura já há cinco anos de agendar a reestruturação da dívida para o final de uma sequência deplorável de aperto fiscal, contração económica e fracasso do programa.

Na verdade, a sequência do novo "resgate" prevista no acordo 12 de julho começa previsivelmente com a adoção - antes do fim do mês - de duras medidas fiscais e metas orçamentais de médio prazo equivalentes a outro período de rigorosa austeridade. Em seguida, vem uma negociação em meados do verão de outro grande empréstimo, equivalente a 48% do PIB (o rácio da dívida em relação ao PIB já está acima de 180%). Finalmente, em novembro, na melhor das hipóteses, e depois de a primeira avaliação do novo programa estar concluída, "o Eurogrupo está pronto a considerar, se necessário, eventuais medidas adicionais... visando assegurar que as necessidades de financiamento gerais permanecem a um nível sustentável".

Durante as negociações em que participei, de 25 de janeiro a 5 de julho, sugeri repetidamente aos nossos credores uma série de conversões de dívida inteligentes. O objetivo era minimizar a quantidade de novos financiamentos concedidos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade e pelo FMI para refinanciar a dívida grega e assegurar que a Grécia se tornaria elegível ainda em 2015 para o programa de compra de ativos do Banco Central Europeu (quantitative easing), restaurando efetivamente o acesso da Grécia aos mercados de capitais. Nós calculámos que não seriam necessários mais de 30 mil milhões de euros (33 biliões de dólares ou 17% do PIB) de novo financiamento do MEE e que nenhuma parte dele seria necessária para o orçamento primário do Estado grego.

As nossas propostas não foram rejeitadas. Embora soubéssemos de fonte segura que eram tecnicamente rigorosas e legalmente corretas, elas simplesmente nunca foram discutidas. A vontade política do Eurogrupo foi a de ignorar as nossas propostas, deixar que as negociações fracassassem, impor um feriado bancário por tempo indeterminado e forçar o governo grego a aquiescer a tudo - incluindo um novo empréstimo maciço que é quase o triplo do que tínhamos proposto. Mais uma vez, os credores da Grécia puseram a carroça à frente dos bois ao insistir que o novo empréstimo fosse aprovado antes de qualquer discussão sobre a redução da dívida. Como resultado, o novo empréstimo considerado necessário cresceu inexoravelmente, tal como em 2010 e 2012.

Uma dívida insustentável é, mais cedo ou mais tarde, reduzida. Mas o momento preciso e a natureza dessa redução faz uma enorme diferença para as perspetivas económicas de um país. E a Grécia está à beira de uma crise humana hoje, porque a reestruturação inevitável da sua dívida tem sido usada como uma desculpa para adiar o anúncio dessa reestruturação ad infinitum. Como um alto funcionário da Comissão Europeia me perguntou uma vez: "A vossa dívida vai ser cortada aconteça o que acontecer, então porque é que está a gastar um capital político precioso ao insistir que a reestruturação seja anunciada agora?"

A resposta deveria ter sido óbvia. Uma reestruturação da dívida ex ante, que reduza o tamanho de quaisquer novos empréstimos e torne a dívida sustentável antes que quaisquer reformas sejam implementadas, tem boas hipóteses de atrair investimento, estabilizar os rendimentos e preparar o terreno para a recuperação. Em nítido contraste, uma redução da dívida como a da Grécia em 2012, que resultou de um fracasso do programa, só contribui para manter a espiral descendente.

Porque é que os credores da Grécia se recusam a agir no que respeita à reestruturação da dívida antes de serem negociados quaisquer novos empréstimos? E porque é que preferem um novo pacote de empréstimo muito maior do que o necessário?

As respostas a estas perguntas não podem ser encontradas numa discussão sobre finanças sérias, sejam elas públicas ou privadas, pois residem firmemente no reino da política do poder. Dívida é sinónimo de poder do credor; e, tal como a Grécia aprendeu da maneira mais difícil, a dívida insustentável transforma o credor em Leviatã. A vida sob o seu poder está a tornar-se desagradável, brutal e, para muitos dos meus compatriotas, curta.

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