sábado, 1 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 007, Os migrantes, a ilha de Lampedusa, e o túnel do Canal da Mancha. Que têm eles a ver com Jean Monnet?

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 007

Os migrantes, a ilha de Lampedusa, e o túnel do Canal da Mancha. Que têm eles a ver com Jean Monnet?

A associação poderá parecer forçada, sim, poderá; mas com tantos barcos, tantos camiões, tantas fronteiras, tantos polícias, tantas disputas, tantas faltas de entendimento, e tanta gente pobre a lutar pela sobrevivência, não consigo deixar de me lembrar que o primeiro grande esforço de Jean Monnet (andava ele na casa dos 20 anos) para a congregação das vontades, das decisões e das soluções dos grandes problemas da Europa, foi precisamente no sector do transporte, essencialmente marítimo. Era preciso - disso estava Monnet convicto - abraçar uma política comum do transporte do trigo; e de muitas outras matérias-primas, entre a França e a Inglaterra. Empenhado nisso logo no primeiro ano da Guerra, em 1914, só em 1918 conseguiu ele alcançar o seu objectivo.
"Mais vale tarde que nunca", dirão uns; "Ora, se calhar, quando já não era preciso", dirão outros. No entender de Monnet e outros, nessa altura o desfecho da guerra ainda podia pender a favor do lado alemão ou do lado da Aliança, e o acordo de transporte comum total contribuiu decisivamente para a vitória dos aliados.
Jean Monnet afirma que o grande desafio não era a unidade em tempo de guerra; prospectivamente, ele ganhava consciência de que o grande desafio era a unidade entre quem governasse "as populações libertadas, neutras ou inimigas" depois da Guerra.
Ora, o que assistimos hoje em dia é que, não obstante a evolução havida, o que mina a unidade, a coordenação, a solidariedade é - sempre fazendo referência ao pensamento de Monnet - é a falta de confiança, a primazia do interesse nacional e o primado de "as leis naturais da oferta e da procura". 
Referindo-se à última reunião do Conselho Económico Supremo, a 4 de Abril de 1919, escreve Monnet nas suas memórias:
Ao sair, Clémentel disse-me: "É a ruptura da solidariedade pela qual tanto trabalhámos. Sem esse altruísmo, sem esta cooperação desinteressada que procurámos obter entre os Aliados e que agora seria necessário alargar aos antigos adversários, tudo terá de recomeçar um dia. [...] Seria vão procurar o responsável por este retorno aos hábitos do passado: foi a natureza que retomou o seu curso constante. Seriam ainda necessárias muitas provas para que os europeus compreendessem que só lhes restava escolher entre a união e um longo declínio.» (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 75)
 A que natureza se referirá Monnet? Escrevendo isto pouco depois de designar "as leis naturais da oferta e da procura", seria, no meu entender, precisamente a esta natureza.
Já noutro apontamento destes "vezes e revezes" referi a importância determinante, para Jean Monnet, da confiança.
Ora, o que os acontecimentos lamentáveis a que assistimos em toda a Europa (os dramas dos imigrantes africanos na ilha de Lampedusa e nas ilhas gregas; os muros que se erguem as fronteiras entre países europeus; os dramas no Túnel do Canal), em que um problema humano muito extenso, que afecta todo o espaço europeu, e bem para lá das suas fronteiras, mostram, com bem infeliz evidência, é que, perante um problema grave, é, mais uma vez, o primado da desconfiança entre os governos europeus que vem ao de cima minar a cooperação e a solidariedade entre os governos; é o reflexo de defesa, medroso, que fecha os países em re-acentuados nacionalismos - sim, a Europa sonhada pelos estadistas que elevámos os estatuto de nobres referências está outra vez em declínio. Como há 100 anos atrás; como há 70 anos atrás; como há...

1 comentário:

  1. Não parece inteiramente exata a afirmação de que os direitos humanos são "uma invenção recente na escala da história", bastando recordar a doutrina documentada pelo ensino nas universidades ibéricas logo na data da expansão dos impérios português e castelhano, um partindo para o Oriente, outro para o Ocidente, para finalmente se encontrarem, nem sempre amistosamente, nos mares da China.
    Mas é um facto que as declarações atualmente em vigor são descendentes da Declaração de Independência americana de 1776, da francesa de 26 de agosto de 1789, hoje, como forma de ambição globalizante, na Declaração Universal da ONU, de 1948. Infelizmente, sendo todas de inspiração e feitura ocidental, a leitura e aplicação pelas áreas culturais do mundo, e poderes políticos regentes, que ganharam a descolonização, além de perceberem que o texto de 1948 tem apenas o valor de uma declaração, leram diferentemente as mesmas palavras - por exemplo direito de propriedade e conceito de família - acontecendo ainda que os pactos de 1976, sobre direitos civis e políticos, e direitos económicos, sociais e culturais, são imperativos apenas para os Estados que os ratifiquem.
    Foram depois publicados vários, com incansáveis juristas, acompanhando a Amnistia Internacional, e o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos do Homem, a tentar que sejam respeitados e aceites, sem que, regionais ou mundiais, tornem realmente efetiva a proteção das crianças, mulheres, refugiados, e agora os imigrantes que designadamente procuram futuro na Europa suposta rica, e morrem no Mediterrâneo sem afetar os lucros da criminalidade que organiza as migrações. Se grande parte dos mecanismos internacionais organizados depois da guerra são manifestamente frágeis no sentido de levarem os poderes políticos a cumprirem com normas promulgadas, uma fraqueza que financeiramente atinge hoje os governos dos antigos colonizadores, se não foi sequer possível que um conceito partilhado de paz impedisse que milhares de crianças participem como combatentes nas guerras que se multiplicam "por toda a parte", nesta data, e pelo que toca à Europa, é o problema dos pobres que são cidadãos, e dos imigrantes, para cujo acolhimento e auxílio lhe escasseiam recursos, que particularmente angustiam a opinião pública que ainda venera a solidariedade, e leva os responsáveis a pensar na segurança antes do humanitarismo. Por muito que se fale em globalismo, de facto é o chamado "mundo único" que está cada vez mais longe de ser a realidade prometida. E o que mais se torna evidente é que esta fraqueza dos Estados, para os quais se dirigem os imigrantes, uma realidade angustiante, é que a causa está em primeiro lugar no facto de os países de origem não terem chegado ao enquadramento do desenvolvimento sustentado, não apenas por razões económicas, mas pelo mau governo, porque os regimes são extrativos e não inclusivos, porque os direitos políticos não são reconhecidos.
    De facto, palavras como direitos económicos, direitos sociais, direitos culturais, não encontram ali uma tradução semântica e menos tradução nos factos, tendo ficado como apenas poético o princípio de que era necessário ensinar a pescar e não dar o peixe. A decisão da população que imigra, com risco de vida frequentemente não evitado, é para salvar a vida e o futuro que aceitam a aventura. A crise mundial acrescenta, infelizmente, uma atitude de discriminação defensiva, que perigosamente está a fazer renascer os mitos raciais e, ao mesmo tempo, a facilitar o recrutamento para a violência do terrorismo.
    O Papa Francisco avisa com urgência e esperança. Mas esta última depende de uma reforma da ordem mundial que não se vislumbra. Designadamente, a urgência de reformar e reanimar a ONU é geralmente sentida, a descurada intervenção na crise financeira e económica global, do Conselho Económico e Social, agrava o desânimo das populações, e o capital de esperança entra também em crise.

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