quarta-feira, 26 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 016. A DIFERENÇA ENTRE A C.E.E. E A E.F.T.A., SEGUNDO JEAN MONNET

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 016. A DIFERENÇA ENTRE A C.E.E. E A E.F.T.A., SEGUNDO JEAN MONNET

«Há uma diferença fundamental - respondi-lhe - entre a
http://blogs.ua.es/cartones/?p=43
Comunidade [comunidade económica europeia], que é um método para reunir os povos,e a Zona de Comércio Livre [EFTA], que é um entendimento comercial. »
(Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 453)

domingo, 23 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 015. UMA IMAGEM LÚCIDA DO IDEAL DA COMUNIDADE EUROPEIA

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 015. UMA IMAGEM LÚCIDA DO IDEAL DA COMUNIDADE EUROPEIA

Teriam passado vinte e poucos anos do arranque voluntarioso, entusiástico da CECA. Confiadamente por parte de alguns, desconfiadamente por parte de outros; determinantemente por parte de Jean Monnet. Era, na verdade, como um dia muito claramente disse K. Adenauer, um salto no desconhecido, uma aventura. Nas suas Memórias, Jean Monnet, tenta agora, passados esses anos, sintetizar, retrospectivamente, o espírito e a determinação lúcida que estavam em causa na construção da Europa unida. É essa consciência confiante e determinada que o leva mesmo a dizer, como presidente da Alta Autoridade, perante a Assembleia Comum da CECA, no dia 15 de Junho de 1953: «Nunca será demais repetir que os seis países que constituem a Comunidade são os pioneiros de uma Europa mais vasta, cujos limites só são fixados por aqueles que ainda não se lhes juntaram. A nossa Comunidade não é uma associação de produtores de carvão e de aço: é o começo da Europa.» (1)
É, então, esta a síntese retrospectiva de Jean Monnet:
«Uma vantagem esmagadora - a natureza ou as circunstâncias, a sorte ou as guerras sempre deram  essa tentação aos Estados, nas suas relações recíprocas. A Comunidade que estávamos a construir afastava essas tentações fortuitas, corrigindo as desigualdades naturais e restabelecendo para todos as condições de uma concorrência leal: era este o objecto das regras subscritas pelos signatários do Tratado e que as instituições estavam encarregadas de aplicar. No entanto, eu contava tanto com o espírito das regras como com a força jurídica destas para mudar as atitudes; ou, melhor, sabia que os homens, quando colocados numa situação de facto nova ou num sistema de obrigações diferente, adaptam o seu comportamento e tornam-se diferentes. Tornam-se melhores, se o novo contexto for melhor: é, muito simplesmente, a história do progresso das civilizações e é a história da Comunidade Europeia. As dificuldades contra as quais, ainda hoje, os europeus todos os dias esbarram nas suas relações entre si não devem iludir-nos: agora são dificuldades internas, como as que normalmente resolvemos, dentro dos nossos países, através da discussão e da livre decisão. A Comunidade, tal como qualquer outro sistema político, não tem o poder de fazer com que não surjam dificuldades, mas proporciona o quadro e os meios para as resolver de forma pacífica. É uma mudança fundamental em relação ao passado - ao passado muito recente.» (Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 393)
«Un avantage écrasant, la nature ou les circonstances, la chance ou les guerres en ont toujours offert la tentation aux États dans leurs rapports réciproques. La Communauté que nous construisions écartait ces tentations de hasard en corrigeant les inégalités naturelles et en rétablissant pour tous les conditions d'une concurrence loyale : tel était l'objet des règles auxquelles avaient souscrit les signataires du traité et que les institutions étaient chargées d'appliquer. Mais je comptais autant sur l'esprit des règles que sur leur force juridique pour changer les attitudes; ou plutôt je savais que les hommes placés dans une situation de fait nouvelle, ou dans un système d'obligations différent, adaptent leur comportement et deviennent autres. Ils deviennent meilleurs si le contexte nouveau est meilleur : c'est l'histoire toute simple du progrès des civilisations, et c'est l'histoire de la Communauté européenne. Les difficultés auxquelles les Européens se heurtent encore chaque jour dans leurs rapports entre eux ne doivent pas nous tromper : ce sont maintenant des difficultés internes, comme celles que nous réglons normalement à l'intérieur de nos pays dans la discussion et par la décision librement consentie. La Communauté, pas plus qu'aucun autre système politique, n'a le pouvoir de faire que les difficultés ne surviennent plus, mais elle offre le cadre et les moyens de les résoudre pacifiquement. C'est un changement fondamental par rapport au passé – au passé tout récent.»

(1) Nous ne saurons jamais trop redire que les six pays qui forment la Communauté sont les pionniers d'une Europe plus large, dont les limites ne sont fixées que par ceux qui ne s'y sont pas encore joints. Notre Communauté n'est pas une association de producteurs de charbon ou d'acier: elle est le commencement de l'Europe.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 014. EUROPA DO FUTURO 'VERSUS' EUROPEU DO RENASCIMENTO

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 014. EUROPA DO FUTURO 'VERSUS' EUROPEU DO RENASCIMENTO

Muito interessante, esta associação de Jean Monnet, entre o ideal europeu que criou a CECA e o ideal
europeu do homem do Renascimento, a que tanta ênfase se dá nos programas de História da educação pública dos jovens!...
Max Kohnstamm, holandês, tinha 38 anos quando se tornou o primeiro secretário da CECA. Era, no dizer de Jean Monnet, um «jovem diplomata ... que tinha essa capacidade de compreender os franceses, os alemães e os ingleses, para além dos seus compatriotas, nas suas próprias línguas e estava familiarizado com a literatura e a imprensa desses países».
«Eram necessárias qualidades verdadeiramente excepcionais para interpretar e para dar forma às ideias e à vontade de um colégio constituído por nove homens vindos de seis países e falando quatro línguas - sem contar com as outras clivagens ligadas ao carácter e à cultura. Nunca esperara que conseguíssemos confiar a um único indivíduo esse papel, que antecipava verdadeiramente a Europa do futuro, ou que, melhor, lembrava o Europeu do Renascimento. (...) Os mal-entendidos a que estávamos sujeitos devido ao desconhecimento mútuo dos nossos costumes não o afectavam, pelo que constituiu a ligação preciosa entre nós de que precisávamos. Todos apreciavam a sua grande abertura de espírito e a riqueza da sua vida moral.» (Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 379)
«Il fallait des qualités vraiment exceptionnelles pour interpréter et mettre en forme la pensée et la volonté d'un collège constitué de neuf hommes venant de six pays et parlant quatre langues – sans compter les autres clivages tenant au caractère et à la culture. Je n'avais jamais espéré que nous pourrions confier à un seul individu ce rôle qui préfigurait réellement l'Européen de demain, ou qui, mieux encore peut-être, rappelait l'Européen de la Renaissance. Kohnstamm avait cette capacité de comprendre dans leur langue les Français, les Allemands, les Anglais, en plus de ses compatriotes, et il était familier de leur littérature, de leur presse. Les malentendus auxquels nous étions exposés par la méconnaissance de nos coutumes respectives n'avaient pas de prise sur lui, et il fut le lien précieux dont nous avions besoin entre nous. Chacun estimait sa grande ouverture d'esprit et la richesse de sa vie morale.»

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 013. QUAL A IDEOLOGIA POLÍTICA DE JEAN MONNET?

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 013. QUAL A IDEOLOGIA POLÍTICA DE JEAN MONNET?

René Pleven, em 1950
Jean Monnet está muito apreensivo, corre o ano de 1950. A França vê o caso mal parado na guerra da Indochina, e acaba de estalar a guerra na Coreia. Formalmente, o Plano Schuman ainda não está formalmente consagrado na forma de tratado assinado pelos países envolvidos; e corre o risco de sofrer um forte revés.Nessa altura, Monnet, de férias, ao pé do mar (de que não gosta muito...; está lá pela mulher e pelos filhos), longe das montanhas e das caminhadas que lhes dão a visão altaneira, esforçada, para os grandes pensamentos, escreve assim a René Pleven, recentemente empossado como Primeiro-Ministro francês:
«A corrida ao inevitável continua. Ora, o Plano Schuman mostrou, mesmo antes de existir, que ia no sentido de uma comunidade mais ampla de povos e da transformação da forma capitalista do passado numa melhor repartição pelos cidadãos do produto do esforço comum destes será apoiado com entusiasmo pela opinião pública.» (Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 343)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 012. A LIBERDADE É A CIVILIZAÇÃO

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 012. A LIBERDADE É A CIVILIZAÇÃO



Da esquerda para a direita: B. Clappier, R. Schuman e J. Monnet (1950)
http://www.cvce.eu/en/obj/bernard_clappier_robert_schuman_and_jean_monnet
_houjarray_1950-en-6745022b-c33c-4e0b-b209-92276f3cc152.html
As palavras de Jean Monnet, sem quaisquer minhas. Foram escritas exactamente há 49 anos.

«(...) senti necessidade de definir para mim mesmo as ideias fixas pelas quais me orientava implicitamente, para lá das acções ligadas às circunstâncias. Conservei essas notas que escrevi no repouso do Verão de 1966, e que creio serem mais expressivas no seu estado espontâneo, do que um desenvolvimento longo:

18 de Agosto:
A liberdade é a civilização.
A civilização é: as regras mais as instituições.
E tudo isto porque é o desenvolvimento do homem que é o objeto essencial de todos os nossos esforços, e não a afirmação de uma pátria, grande ou pequena.

1. É um privilégio ter nascido (Homem).
2. É um privilégio ter nascido na nossa civilização.
3. Será que vamos limitar tais privilégios às barreiras nacionais e às leis que nos protegem?
4. Ou vamos tentar alargar esse privilégio aos outros?
5. Temos de manter a nossa civilização, que está tão avançada relativamente ao resto do mundo.
6. Há que organizar a nossa civilização e a nossa acção comum no sentido da paz.
7. Há que organizar a acção comum da nossa civilização. Como fazê-lo, senão empregando numa acção comum a Europa e a América, que, em conjunto, detêm os maiores recursos do mundo, partilham a mesma civilização e conduzem os seus assuntos públicos da mesma maneira democrática?
8. É essa organização que, sem deixar de manter um estado de coexistência com o Leste, irá criar a nova ordem do mundo e, ao mesmo tempo, irá permitir a ajuda e o apoio necessários e sem condições que a nossa civilização, que há que preservar, dará ao resto do mundo. Juntos, podemos fazê-lo, separados opõem-se.
9. Na origem, à nascença, os homens são iguais. Depois, colocado em determinado quadro, dentro de determinadas regras, cada um quer preservar os privilégios que adquiriu. O quadro nacional serve essa perspectiva momentânea. Não nos damos conta do privilégio extraordinário que temos. Há que alargar esse privilégio. Como fazê-lo, senão através da liberdade, por um lado, e, por outro lado, através do esforço comum para que, gradualmente, os países subdesenvolvidos participem dos nossos privilégios? Como fazê-lo, senão unindo-nos, unindo os nossos recursos, etc.?» (Jean Monnet, Memórias, 2004 (1976), p. 491)

«18 août :
« La liberté, c'est la civilisation.
« La civilisation, c'est : les règles + les institutions.
« Et tout cela parce que c'est le développement de l'homme qui est l'objet essentiel de tous nos efforts, et non pas l'affirmation d'une patrie grande ou petite.
« 1. C'est un privilège que d'être né (homme).
« 2. C'est un privilège que d'être né dans notre civilisation.
« 3. Allons-nous limiter ces privilèges aux barrières nationales et lois qui nous protègent?
« 4. Ou bien allons-nous essayer d'étendre ce privilège aux autres?
« 5. Il nous faut maintenir notre civilisation qui est tant en avance sur le reste du monde.
« 6. Il faut organiser notre civilisation et notre action commune vers la paix.
« 7. Il faut organiser l'action commune de notre civilisation. Comment le faire, sinon en utilisant dans une action commune l'Europe et l'Amérique qui ont ensemble les plus grandes ressources du monde, ensemble partagent la même civilisation, et conduisent leurs affaires publiques de la même manière démocratique?
« 8. C'est cette organisation qui, tout en poursuivant un état de coexistence avec l'Est, créera l'ordre nouveau du monde et en même temps permettra l'aide et l'appui nécessaire et sans condition que notre civilisation qu'il faut préserver apportera au reste du monde. Ensemble ils le peuvent, séparés ils s'opposent.
« 9. A l'origine, à la naissance, les hommes sont les mêmes. Ensuite, pris dans un cadre, des règles, chacun veut alors préserver les privilèges qu'il a acquis. Le cadre national sert cette vue momentanée. Nous ne nous rendons pas compte du privilège extraordinaire qui sous-développés à nos privilèges? Comment le faire, sans s'unir, unir nos ressources, etc.? »

Yanis Varoufakis - Uma nova abordagem para a dívida soberana da zona euro

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4734219&seccao=Yanis Varoufakis&tag=Opini�o - Em Foco


YANIS VAROUFAKISUma nova abordagem para a dívida soberana da zona euro

por YANIS VAROUFAKIS, Hoje, no Diário de Notícias

A dívida pública da Grécia foi de novo colocada na agenda da Europa. Na verdade, esta foi talvez a principal conquista do governo grego durante o agonizante impasse de cinco meses com os seus credores. Depois de anos de "prolongar e fazer de conta", hoje quase toda a gente concorda que a reestruturação da dívida é essencial. Mais importante ainda, isso não é verdade apenas para a Grécia.

Em fevereiro apresentei no Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças dos Estados membros da zona euro) um menu de opções, incluindo títulos indexados ao PIB, o que Charles Goodhart recentemente apoiou no The Financial Times, títulos perpétuos para liquidar a dívida antiga nos livros do Banco Central Europeu e assim por diante. Esperemos que o terreno esteja agora mais preparado para que tais propostas sejam consideradas, antes que a Grécia se afunde mais ainda nas areias movediças da insolvência.

Mas a pergunta mais interessante é o que tudo isto significa para a zona euro como um todo. Os alertas prescientes de Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs e muitos outros para uma abordagem diferente para a dívida soberana em geral precisam de sofrer modificações para se adequarem às características particulares da crise da zona euro.

A zona euro é única entre os espaços monetários: o seu banco central carece de um Estado para apoiar as suas decisões, enquanto os seus Estados membros carecem de um banco central para os apoiar em tempos difíceis. Os líderes europeus tentaram preencher esta lacuna institucional com regras complexas e sem credibilidade, que muitas vezes não conseguem compatibilizar-se e que, apesar desta falha, acabam por sufocar os Estados membros em dificuldades.

Uma dessas regras é o limite da dívida pública dos Estados membros estabelecido no Tratado de Maastricht em 60% do PIB. Outra é a cláusula de "não resgate" do tratado. A maioria dos Estados membros, incluindo a Alemanha, já violaram a primeira regra sub--repticiamente ou não, enquanto para vários outros a segunda regra tem sido obliterada por grandes pacotes de financiamento.

O problema é que a reestruturação da dívida na zona euro é essencial e, ao mesmo tempo, incompatível com a Constituição implícita subjacente à união monetária. Quando a economia embate contra as regras de uma instituição, os decisores políticos devem encontrar formas criativas para alterar as regras ou, caso contrário, assistirão ao colapso da sua criação.

Assim, fica aqui uma ideia (parte de A Modest Proposal for Resolving the Euro Crisis, com a coautoria de Stuart Holland e James K. Galbraith) destinada a recalibrar as regras, realçando o seu espírito e dirigindo-se ao problema económico subjacente.

Em resumo, o BCE poderia anunciar amanhã que, de agora em diante, irá realizar um programa de conversão de dívida para qualquer Estado membro que deseje participar. O BCE irá servir (em oposição a comprar) uma parte de todos os títulos do tesouro em vencimento, parte essa correspondente à percentagem da dívida pública do Estado membro permitida pelas regras de Maastricht. Assim, no caso dos Estados membros com rácios de dívida em relação ao PIB de, digamos, 120% e 90%, o BCE serviria respetivamente 50% e 66,7% de todos os títulos do tesouro em vencimento.

Para financiar esses resgates em nome de alguns Estados membros, o BCE emitiria títulos em nome próprio, garantidos unicamente pelo BCE, mas reembolsados na íntegra pelo Estado membro. Mediante a emissão de um tal título do BCE, este abriria simultaneamente uma conta de débito para o Estado membro em nome de quem tinha emitido o título.

O Estado membro seria então legalmente obrigado a fazer depósitos nessa conta para cobrir os cupões e o valor nominal dos títulos do BCE. Além disso, a responsabilidade do Estado membro para com o BCE desfrutaria do estatuto de super-senioridade e seria garantida pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade contra o risco de um incumprimento grave.

Um programa de conversão de dívida deste tipo traria cinco benefícios. Para começar, ao contrário do atual quantitative easing do BCE, não envolveria a monetização da dívida. Assim, não correria qualquer risco de inflacionar bolhas de preços de ativos.

Em segundo lugar, o programa iria causar uma grande queda nos pagamentos de juros agregados da zona euro. A parte da dívida soberana dos seus membros de acordo com as regras de Maastricht seria reestruturada com prazos mais longos (igual ao vencimento das obrigações do BCE) e com as taxas de juros ultrabaixas que só o BCE pode obter nos mercados de capitais internacionais.

Em terceiro lugar, as taxas de juro de longo prazo da Alemanha não seriam afetadas, porque a Alemanha não garantiria o regime de conversão de dívida nem patrocinaria as emissões de títulos do BCE.

Em quarto lugar, o espírito da regra de Maastricht sobre a dívida pública seria reforçado e o risco moral seria reduzido. Afinal de contas, o programa iria aumentar significativamente o spread da taxa de juro entre a dívida de acordo com as regras de Maastricht e a dívida que permaneceria nas mãos dos Estados membros (que anteriormente estes não estavam autorizados a acumular).

Por fim, os títulos indexados ao PIB e as outras ferramentas existentes para lidar de forma sensata com a dívida insustentável poderiam ser aplicadas exclusivamente à dívida dos Estados membros não abrangida pelo programa e em linha com as melhores práticas internacionais de gestão da dívida soberana.

A solução óbvia para a crise do euro seria uma solução federal. Mas a federação tem vindo a tornar-se cada vez menos provável devido a uma crise que, tragicamente, tem vindo a pôr os países uns contra os outros.

Na verdade, qualquer união política que o Eurogrupo pudesse vir a endossar hoje seria disciplinadora e ineficaz. Entretanto é improvável que a reestruturação da dívida pela qual a zona euro - e não apenas a Grécia - está a implorar seja politicamente aceitável no clima atual.

Mas existem maneiras de reestruturar a dívida de forma sensata, sem qualquer custo para os contribuintes e de forma a aproximar os europeus uns dos outros. Uma delas é o programa de conversão de dívida aqui proposto. A sua adoção iria ajudar a curar as feridas da Europa e desbravar o terreno para o debate de que a União Europeia precisa sobre o tipo de união política que os europeus merecem.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 011. O PRAGMATISMO POÉTICO DE JEAN MONNET

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 011. O PRAGMATISMO POÉTICO DE JEAN MONNET

http://www.cvce.eu/obj/
jean_monnet_lors_de_la_preparation_de_la_conference_de_presse_luxembourg_30_avril_1953
-fr-bf70f4d3-918d-444d-9600-273997ab3bcf.html
Completar-se-ão amanhã 49 anos acerca de uma nota - quiçá, uma das suas mais intensas sínteses introspectivas - escrita por Jean Monnet, que ele reproduz nas suas Memórias - por isso só a trarei para aqui amanhã.

Hoje quero dar destaque a uma afirmação que, quase em jeito de desabafo, quando procura falar no momento notável que foi o do momento germinal crítico da primeira forma de uma união europeia, em 1950.

É simples, bela, intensa e clara:
«É sempre preciso voltar à madrugada das coisas para  ver o coração destas.» (Memórias, Ulisseia, 2014 (1976) p. 301)
«il faut toujours revenir au matin des choses pour en voir le cœur.»
Certamente por causa do efeito hipnotizante da ideia de madrugada, salta-me logo à mente o ideal do 25 de Abril dos Capitães portugueses.
Num assomo delirante acrescentarei, tendo em conta a altura em que estas memórias foram publicadas -1976: não será que foi o 25 de Abril que inspirou o pensamento de Jean Monnet?
Vêm-me à cabeça também os pedantes, arrogantes e "auto-sábios" políticos, comentadores e analistas da Política, da Europa e do Mundo que grassam na comunicação social. Esses, olho-os, oiço-os e deixo-os passar do lugar tranquilo da minha caravana.

domingo, 16 de agosto de 2015

O triunfo do populismo audiovisual - Opinião - DN

JOÃO LOPES

O triunfo do populismo audiovisual

O triunfo do populismo audiovisual - Opinião - DN
Em vésperas de campanha eleitoral, é sintomático que os partidos políticos se mostrem unidos no mesmo terrível silêncio sobre o domínio cultural. Há, em particular, uma incrível indiferença por qualquer possível reflexão sobre o espaço televisivo - sendo esse o espaço em que, hoje, se decidem e promovem os valores mais fortes do tecido social e também, claro, as matrizes correntes de intervenção política.
Os modos dominantes de fazer política, à direita e à esquerda, estão marcados por uma cobardia intelectual que evita enfrentar o nosso populismo audiovisual. A questão é tanto mais atual, drama- ticamente atual, quanto esse populismo tem vindo a ocupar zonas significativas do cinema - observem-se os recentes lançamentos de filmes como O Pátio das Cantigas, parasitando a herança estética do cinema do Estado Novo, e Um Encontro com o Destino, caricaturando uma família de emigrantes no Canadá.
Escusado será dizer que a questão do populismo não se confunde com o domínio da comédia (a noção de que os críticos "não gostam de comédias" não passa, aliás, de uma típica difamação populista). Nem sequer pode ser colocada a partir do impacto comercial seja do que for (reduzir a vida das linguagens artísticas a valores de bilheteiras é mesmo a mais velha impostura de qualquer forma de populismo).
Basta observarmos o que tem acontecido no enquadramento televisivo do futebol para compreendermos a lógica simplista, de sistemática infantilização, que tem vindo a "naturalizar-se" à nossa volta. Assim, temos assistido à metódica consagração de todos os clubismos - no limite, o adepto (de qualquer clube) já não é apresentado e representado como um sujeito de gosto, mas sim como peão de uma religiosidade alheia a qualquer fruição do próprio espetáculo.
Além das muitas, e muito contrastadas, encarnações históricas do populismo, o que está a acontecer envolve uma lição cruel, porventura a mais difícil de aceitar: o populismo ideológico, sendo apanágio de quase todas as ditaduras, vive e sobrevive também na dinâmica das sociedades democráticas. Há, em todo o caso, um princípio básico que vai prevalecendo: as matrizes populistas diluem as singularidades individuais numa definição abstrata, supostamente redentora, do coletivo, quer dizer, do "povo". A palavra "povo" tornou-se mesmo um elemento que os políticos evitam, tendo sido apropriada como bandeira dos programas vespertinos de televisão, alimentados por concursos pueris e música pimba.
Algures, num ecrã de televisão, dizia a personagem de Howard Beale, interpretada por Peter Finch: "Vocês começaram a acreditar nas ilusões que pusemos aqui a rodar. Começaram a acreditar que o ecrã é a realidade e que as vossas próprias vidas não são reais." Foi há quase quarenta anos, num filme chamadoNetwork (1976), escrito pelo genial Paddy Chayefsky e realizado por Sidney Lumet. Ou como diria o típico discurso populista: são disparates do imperialismo americano...

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Adriano Moreira - A casa comum política

ADRIANO MOREIRA

A casa comum política

por ADRIANO MOREIRA12 agosto 2015


A expressão "casa comum" que o Papa Francisco usou para a sua Segunda Carta Encíclica, e que tem relação com o conflito humano com a mãe Terra, tem precedente de uso em ambiente mais guerreiro, que foi o de pôr um ponto final naquilo que foi chamado a Guerra Fria. De facto foi a referência essencial de Mikhail Gorbachev, quando adotou a política de instauração de regras de jogo para a coabitação que deveria assentar em "medidas de confiança" entre os dois pactos militares - Confidence-Building Measures.

Infelizmente nesse tempo foi necessária a crise dos mísseis de Cuba e a serenidade levada ao limite por Kennedy para evitar um conflito nuclear, receio que estava presente na Conferência de Helsínquia de 1975, e finalmente levou à formação da OSCE - Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Nesta data de verdadeira crise interior na União Europeia, com o amor à unidade posto em causa por formações políticas novas e contestatárias, e pelas pequenas pátrias continuando a contestar a unidade do Estado em que se integram, não parece que o estado de espírito do presidente Putin esteja cheio de memória da "casa comum" que animou Dmitri Medvedev, segundo o pressentimento e aviso do observador Montbrial (2014), e o seu projeto em desenvolvimento de "império do meio" obriga a interpelar a eurocracia que governa de facto a União, falando ao ouvido do príncipe, para não limitar a agenda europeia à orçamentologia.

Para não termos uma progressiva perda de tempo para acudir aos sinais, que exigem resposta, para que o facto não seja "a guerra em toda a parte". É uma inquietação que se agrava ao verificar que organizações fundamentais sonhadas para que "o desenvolvimento sustentado" seja o nome da paz, a convencer todos os Estados que aderiram à ONU, hoje pareçam em pousio em muitos setores, sem desmerecer todavia o muito que se lhe deve, e que sem essa contribuição estaríamos pior. Os exemplos são gritantes, e por isso, designadamente, erros como os cometidos no Iraque levaram a desastres que incluem o terrível confronto causado pela revisão de fronteiras, a insistência na democracia atómica aconselha a transformar em acordo casos como o do Irão, dramas como os dos palestinos, que há gerações não sabem o que é viver em liberdade, não consentindo que Israel viva em paz, e o mundo sem a paz de espírito da justiça restabelecida, esperam solução. A igualdade dos Estados que a Carta da ONU prega não é compatível com os receios causados pelos emergentes, enfim: a "casa comum" precisa de uma "excelentíssima e reverendíssima" reforma, talvez a começar pelos vários regionalismos, de que a União Europeia apareceu como exemplo de esperança, e que ela própria parece tender para preferir o exemplo das divergências entre ricos e pobres, entre ambições diretoras em vez de conceito estratégico, esquecida do "bem comum" com a crise financeira, a economia de caminho único, e o liberalismo repressivo que desse modo dispensa o Estado social.

De tempos a tempos a história regista o medo de ter chegado o fim do mundo, e para muitos povos, Estados e nações o século passado foi semeado de acontecimentos com dimensão para despertar tal convicção. Nesta entrada de um século sem bússola em que estamos, a desordem internacional abrange a própria capacidade de a Terra se manter em termos de sustentar a vida.

O balanço político, económico e diplomático, que as publicações especializadas vão fazendo, não é animador em relação à maioria dos Estados filiados na ONU. Os conflitos militares dos últimos tempos, por exemplo a intervenção no Afeganistão, ou o Darfur, ou a Palestina, e agora o Estado Islâmico, mais as crises económica e financeira mundial, fazem concluir que Estados de grande potência, pequenos Estados, Estados falhados, todos finalmente estão em igual incerteza global quanto, pelo menos, ao "fim do mundo único", em um dos vários sentidos que cabem na expressão.
OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 010. TÃO TRISTE ME DEIXA A SATISFAÇÃO DE JEAN MONNET

Jean Monnet, como facilmente se entende, é celebrado, homenageado, até glorificado, por uns; mas também tem os outros - os detractores, os acusadores, os críticos. Talvez a mais agreste de todas as acusações seja a de ser um francês, um europeu, a soldo dos Estados Unidos da América, em resultado de um fascínio quase hitleriano por Roosevelt. (agreste é agreste...)
Até ver, tanto quanto sei, não têm razão estes agrestes críticos de Monnet.
São claros, na sua autobiografia, os testemunhos de apreço, respeito e admiração de Jean Monnet por Roosevelt.
É precisamente do intenso relacionamento que Monnet mantém com o "general" Presidente dos E.U.A. que resulta este tão triste - para mim, é claro, mesmo que o entenda no seu contexto - enumerar do que, logo a seguir, Monnet comentou assim:
«Desde esse dia, mais do que em qualquer outro momento da minha vida, senti a satisfação de ter contribuído para uma decisão que modificaria o curso dos acontecimentos.» (Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 178) (1)
Tenho a cada vez mais firme convicção de que Monnet foi um incansável lutador a favor da Paz, da Cooperação e da Solidariedade; mas, do ponto de vista da História dos Homens, o motivo, o conteúdo de tanta satisfação é absolutamente lamentável. É quase obsceno. A este, alguns parágrafos à frente, Monnet traz outra... "obscena" inventariação.
A primeira enumeração:
«[Roosevelt] Não escondeu nada à opinião pública sobre os objectivos de produção militar: sessenta mil aviões de todos os tipos em 1942, cento e vinte e cinco mil em 1943, quarenta e cinco mil mil carros de combate, seguidos de mais setenta e cinco mil, oito milhões de toneladas de embarcações - em suma, os mais audaciosos números que tinha retirado das nossas sugestões. Tão pouco dissimulou as consequências daí decorrentes: "a produção do país deve ser aumentada muito acima do seu nível actual, mesmo que isso signifique uma perturbação na existência do emprego de milhões dos nossos concidadãos".» (p.178) (1)
O "esforço" do armamento militar actual. (2011)
Fonte: http://www.washingtonsblog.com/2014/05/90-deaths-war-civilians.html
Ora, se pensarmos que também os alemães, os russos e os japoneses se empenhavam intensamente no armamento militar, teremos uma ideia de como, em resultado da loucura de tão poucos homens, tanto da humanidade e dos recursos ambientais eram postos ao serviço da pura destruição!... É esse o meu grande lamento.
Como disse antes, algumas páginas mais à frente, Monnet prossegue a apresentação da "obscenidade" e da satisfação pessoal for estar envolvido nela.
Não, senhores detractores de Jean Monnet, não estou do vosso lado. Lamento a Guerra, todas as guerras; e quando, desde logo na Primeira Guerra, Monnet almejava e fantasiava na sua mente a aliança, não entre amigos, mas também com os inimigos, era para prevenir que algum dia este uso obsceno dos recursos dos recursos da Terra pudesse acontecer. A seu tempo, falaremos do que Jean Monnet pensou e sentiu sobre o lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki, num tempo que já não era de Roosevelt, era de Truman.
A segunda enumeração:
«O facto de a produção de aviões de guerra, insignificante em 1940, se ter aproximado, quando se procedeu a um balanço total no dia da vitória, do número fabuloso de trezentos mil aparelhos, o facto de cem mil carros de combate terem saído sem contratempos das fábricas de automóveis em período de crise, de cento e vinte e quatro mil barcos terem saído dos estaleiros que tinham estado adormecidos durante a recessão, de dois milhões e setecentas mil metrelhadoras terem saído das fábricas e de quatrocentos e trinta milhões de toneladas de aço terem saído dos altos-fornos; o facto de, em suma, a economia de um país ter conseguido em tão pouco tempo assumir tal dinâmica só pode parecer evidente a quem acredita que o poderio dos Estados Unidos é um dado natural. Sem dúvida, o que é natural nos americanos é a organização e a expansão. Mas esta disposição de espírito não dispensa o esforço e a disciplina. Só se torna activa quando é desenvolvida por homens enérgicos e responsáveis. Eu pretendi viver no meio destes homens e tive a felicidade de poder inspirar, por vezes, a sua acção.» (p. 181) (2)
(1) «Il ne cacha rien au monde des objectifs de production militaire : soixante mille avions de toutes sortes en 1942, cent vingt-cinq mille en 1943, quarante-cinq mille, puis soixante-quinze mille chars, huit millions de tonnes de bateaux – bref, les chiffres les plus audacieux qu'il avait retenus de nos suggestions. Il n'en dissimula pas non plus les conséquences : « La production de ce pays doit être relevée largement au-dessus de son niveau actuel, même si cela signifie une perturbation dans l'existence et dans l'emploi de millions de nos concitoyens. Ce jour-là, plus qu'à aucun autre moment de ma vie, j'éprouvai la satisfaction d'avoir contribué à une décision qui changerait le cours des évènements.»

(2) «Que la production d'avions de guerre, insignifiante en 1940, ait approché lorsqu'on en fit le bilan total au jour de la victoire le chiffre fabuleux de trois cent mille appareils; que cent mille tanks soient sortis sans à-coups des usines d'automobiles en crise, cent vingt-quatre mille bateaux des chantiers endormis dans la récession, deux millions sept cent mille mitrailleuses des fabriques, quatre cent trente millions de tonnes d'acier des hauts fourneaux; que l'économie d'un pays ait pu en si peu de mois prendre un aussi grand essor ne paraît évident qu'à ceux qui croient que la puissance des États-Unis est une donnée naturelle. Sans doute, ce qui est naturel aux Américains est l'organisation et l'expansion. Mais cette disposition d'esprit ne les dispense pas de l'effort et de la discipline. Et elle ne devient pas active sans être entraînée par des hommes énergiques et responsables. J'ai voulu vivre au millieu de ces hommes et j'ai eu le bonheur de pouvoir inspirer quelques fois leurs actions.»

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 009, FAZ 63 ANOS

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 009

10 de Agosto de 1952, das palavras à acção

E assim tudo começou. É Jean Monnet quem preside à Alta Autoridade da CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço). O primeiro lingote europeu de ferro é fundido em 30 de Abril de 1953, em Esch-sur-Alzette, no grão-ducado do Luxemburgo. Monnet terminou o mandato em 3 de Junho de 1955.

(locução e legendas em francês)


Copyright: Photo Parlement européen Source: Première coulée de fonte européenne.
Esch-sur-Alzette: Photothèque Parlement européen, 3004/1953. Noir et blanc.


domingo, 2 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 008, "O veto é o símbolo da impotência."

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 008

"O veto é o símbolo da impotência." (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p.
Uma sessão do Conselho da Sociedade das Nações
96)

Depois de expressar a sua desesperança nas assembleias [da Sociedade das Nações] em que se aplicava a regra da unanimidade, ilustrada com um exemplo nada abonatório para o dorminhoco representante do governo de Sua Majestade, Jean Monnet afirma nas suas Memórias:
«O veto é a causa profunda e, ao mesmo tempo, o símbolo da impotência para ultrapassar os egoísmos nacionais. Mas é tão-somente a expressão de bloqueios mais profundos e frequentemente inconfessados.»
E prossegue expondo o seu pensamento
«A política inglesa procurava um equilíbrio de poder no continente, e a França queria dominar a Alemanha, e, se ainda não pensava na vingança, manobrava esforços no sentido de desfazer os constrangimentos. O vício residia no próprio Tratado de Versalhes: este fundava-se na discriminação. Ora, desde o dia em que me ocupei dos assuntos públicos, compreendi que a igualdade era absolutamente essencial nas relações entre os povos, tal como entre os homens. Uma paz de desigualdade nada podia trazer de bom.»
Tão pouco texto e tanto para pensar! Sobre unanimidade, veto, igualdade, discriminação, paz; desconfiança, egoísmo e sede de domínio.

sábado, 1 de agosto de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 007, Os migrantes, a ilha de Lampedusa, e o túnel do Canal da Mancha. Que têm eles a ver com Jean Monnet?

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 007

Os migrantes, a ilha de Lampedusa, e o túnel do Canal da Mancha. Que têm eles a ver com Jean Monnet?

A associação poderá parecer forçada, sim, poderá; mas com tantos barcos, tantos camiões, tantas fronteiras, tantos polícias, tantas disputas, tantas faltas de entendimento, e tanta gente pobre a lutar pela sobrevivência, não consigo deixar de me lembrar que o primeiro grande esforço de Jean Monnet (andava ele na casa dos 20 anos) para a congregação das vontades, das decisões e das soluções dos grandes problemas da Europa, foi precisamente no sector do transporte, essencialmente marítimo. Era preciso - disso estava Monnet convicto - abraçar uma política comum do transporte do trigo; e de muitas outras matérias-primas, entre a França e a Inglaterra. Empenhado nisso logo no primeiro ano da Guerra, em 1914, só em 1918 conseguiu ele alcançar o seu objectivo.
"Mais vale tarde que nunca", dirão uns; "Ora, se calhar, quando já não era preciso", dirão outros. No entender de Monnet e outros, nessa altura o desfecho da guerra ainda podia pender a favor do lado alemão ou do lado da Aliança, e o acordo de transporte comum total contribuiu decisivamente para a vitória dos aliados.
Jean Monnet afirma que o grande desafio não era a unidade em tempo de guerra; prospectivamente, ele ganhava consciência de que o grande desafio era a unidade entre quem governasse "as populações libertadas, neutras ou inimigas" depois da Guerra.
Ora, o que assistimos hoje em dia é que, não obstante a evolução havida, o que mina a unidade, a coordenação, a solidariedade é - sempre fazendo referência ao pensamento de Monnet - é a falta de confiança, a primazia do interesse nacional e o primado de "as leis naturais da oferta e da procura". 
Referindo-se à última reunião do Conselho Económico Supremo, a 4 de Abril de 1919, escreve Monnet nas suas memórias:
Ao sair, Clémentel disse-me: "É a ruptura da solidariedade pela qual tanto trabalhámos. Sem esse altruísmo, sem esta cooperação desinteressada que procurámos obter entre os Aliados e que agora seria necessário alargar aos antigos adversários, tudo terá de recomeçar um dia. [...] Seria vão procurar o responsável por este retorno aos hábitos do passado: foi a natureza que retomou o seu curso constante. Seriam ainda necessárias muitas provas para que os europeus compreendessem que só lhes restava escolher entre a união e um longo declínio.» (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 75)
 A que natureza se referirá Monnet? Escrevendo isto pouco depois de designar "as leis naturais da oferta e da procura", seria, no meu entender, precisamente a esta natureza.
Já noutro apontamento destes "vezes e revezes" referi a importância determinante, para Jean Monnet, da confiança.
Ora, o que os acontecimentos lamentáveis a que assistimos em toda a Europa (os dramas dos imigrantes africanos na ilha de Lampedusa e nas ilhas gregas; os muros que se erguem as fronteiras entre países europeus; os dramas no Túnel do Canal), em que um problema humano muito extenso, que afecta todo o espaço europeu, e bem para lá das suas fronteiras, mostram, com bem infeliz evidência, é que, perante um problema grave, é, mais uma vez, o primado da desconfiança entre os governos europeus que vem ao de cima minar a cooperação e a solidariedade entre os governos; é o reflexo de defesa, medroso, que fecha os países em re-acentuados nacionalismos - sim, a Europa sonhada pelos estadistas que elevámos os estatuto de nobres referências está outra vez em declínio. Como há 100 anos atrás; como há 70 anos atrás; como há...