quinta-feira, 30 de julho de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 006, Os valores humanos.

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 006

Os valores humanos. Quais estão em jogo no concerto das nações? Os espontâneos e os adquiridos. A regra da sinceridade.

«Antes de cada reunião, Kohnstamm e eu tratávamos de aproximar as opiniões divergentes, graças a explicações que, por vezes, demoravam vários meses. Para isso, dispúnhamos da nossa capacidade de convicção, mas também, e sobretudo, de uma regra cuja força é pouco conhecida: a sinceridade. Púnhamos as cartas na mesa e todos podiam ter a certeza de que usávamos a mesma linguagem com todos. Se nem sempre dizer tudo a todos, é indispensável dizer a todos a mesma coisa. A confiança tem esse preço, e nunca obtive, ou, pelo menos, nunca tentei obter nada sem confiança.
Havia mais do que isso entre nós: havia amizade. Esta não era um dado à partida e não podia ser condição de sucesso do Comité. No entanto, instalou-se pouco a pouco e tornou-se um grande suplemento de força. Vinte anos de encontros e de luta solidária entre homens muito diferentes criam um laço pessoal sólido.» (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 420)
Jean Monnet tem 67 anos quando acontecem os factos que sustentam esta reflexão; ou seja, 41 anos depois dos factos que o fizeram escrever esta outra reflexão:
«quando colocados em determinadas condições, os homens percebem que os interesses são comuns e, a partir daí, tendem a pôr-se de acordo. Tais condições consistem em falar do mesmo problema, com vontade e até mesmo com a obrigação de encontrar uma solução aceitável para todos.» (ibidem, p. 57)
Não digo, por agora mais nada; tudo o que dissesse faria certamente ruído e perturbaria a percepção destas palavras.

As palavras originais:
«Avant chaque réunion, Kohnstamm et moi avions rapproché, à force d'éxplications que prenaient parfois plusieurs mois, les opinions différentes. Pour celà, nous disposions de notre capacité de conviction, mais surtout, d'une règle dont la puissance est méconnue : la sincérité. Nos cartes étaient sur la table et chacun pouvait s’assurer que nous lui tenions le même langage qu’aux autres.S’il n’est pas toujours utile de dire tout à tous, il est indispensable de dire à tous la même chose. La confiance est à ce prix, et je n’ai jamais rien obtenu, ou du moins tenté d’obtenir, sans la confiance.»
«les hommes, lorsqu'ils sont placés dans certaines conditions, voient  que leur intêrêt est commum et dès lors sont portés à se mettre d'accord. Ces conditions sont qu'on parle du même problème avec la vplonté et même l'obligation de lui donner une solution acceptable pour tous.»

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O adiamento devastador da reestruturação da dívida grega - Opinião - DN

O adiamento devastador da reestruturação da dívida grega - Opinião - DN



O objetivo de reestruturar uma dívida é reduzir a magnitude dos novos empréstimos necessários para salvar uma entidade insolvente. Os credores concordam no alívio da dívida para recuperarem o máximo do valor da mesma e para concederem o mínimo possível de novos financiamentos à dita entidade insolvente.

Curiosamente, os credores da Grécia parecem incapazes de apreciar este válido princípio financeiro. No que respeita à dívida grega, houve um claro padrão que surgiu ao longo dos últimos cinco anos. E que permanece inalterado até hoje.

Em 2010, a Europa e o Fundo Monetário Internacional concederam empréstimos ao insolvente estado grego no valor de 44% do PIB do país. A simples menção da reestruturação da dívida era considerada inadmissível e motivo para ridicularizar aqueles de nós que ousavam sugerir a sua inevitabilidade.

Em 2012, como o rácio da dívida em relação ao PIB aumentou desmesuradamente, os credores privados da Grécia sofreram uma redução significativa do valor dos seus títulos (haircut) que atingiu os 34%. Ao mesmo tempo, no entanto, novos empréstimos no valor de 63% do PIB foram adicionados à dívida nacional da Grécia. Poucos meses depois, em novembro, o Eurogrupo (constituído pelos ministros das Finanças dos membros da zona euro) indicou que o alívio da dívida seria finalizado em dezembro de 2014, quando o programa de 2012 estivesse concluído "com sucesso" e o orçamento do governo grego tivesse atingido um superavit primário (que exclui os pagamentos de juros).

Em 2015, no entanto, com o superavit primário alcançado, os credores da Grécia recusaram-se a discutir sequer o alívio da dívida. Durante cinco meses, as negociações mantiveram-se num impasse, culminando no referendo de 5 de julho na Grécia, em que os eleitores rejeitaram esmagadoramente mais austeridade, e a subsequente rendição do governo grego, formalizada no acordo de 12 de julho da Cimeira do Euro. Esse acordo, que é agora o modelo para o relacionamento da Grécia com a zona euro, perpetua o padrão que dura já há cinco anos de agendar a reestruturação da dívida para o final de uma sequência deplorável de aperto fiscal, contração económica e fracasso do programa.

Na verdade, a sequência do novo "resgate" prevista no acordo 12 de julho começa previsivelmente com a adoção - antes do fim do mês - de duras medidas fiscais e metas orçamentais de médio prazo equivalentes a outro período de rigorosa austeridade. Em seguida, vem uma negociação em meados do verão de outro grande empréstimo, equivalente a 48% do PIB (o rácio da dívida em relação ao PIB já está acima de 180%). Finalmente, em novembro, na melhor das hipóteses, e depois de a primeira avaliação do novo programa estar concluída, "o Eurogrupo está pronto a considerar, se necessário, eventuais medidas adicionais... visando assegurar que as necessidades de financiamento gerais permanecem a um nível sustentável".

Durante as negociações em que participei, de 25 de janeiro a 5 de julho, sugeri repetidamente aos nossos credores uma série de conversões de dívida inteligentes. O objetivo era minimizar a quantidade de novos financiamentos concedidos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade e pelo FMI para refinanciar a dívida grega e assegurar que a Grécia se tornaria elegível ainda em 2015 para o programa de compra de ativos do Banco Central Europeu (quantitative easing), restaurando efetivamente o acesso da Grécia aos mercados de capitais. Nós calculámos que não seriam necessários mais de 30 mil milhões de euros (33 biliões de dólares ou 17% do PIB) de novo financiamento do MEE e que nenhuma parte dele seria necessária para o orçamento primário do Estado grego.

As nossas propostas não foram rejeitadas. Embora soubéssemos de fonte segura que eram tecnicamente rigorosas e legalmente corretas, elas simplesmente nunca foram discutidas. A vontade política do Eurogrupo foi a de ignorar as nossas propostas, deixar que as negociações fracassassem, impor um feriado bancário por tempo indeterminado e forçar o governo grego a aquiescer a tudo - incluindo um novo empréstimo maciço que é quase o triplo do que tínhamos proposto. Mais uma vez, os credores da Grécia puseram a carroça à frente dos bois ao insistir que o novo empréstimo fosse aprovado antes de qualquer discussão sobre a redução da dívida. Como resultado, o novo empréstimo considerado necessário cresceu inexoravelmente, tal como em 2010 e 2012.

Uma dívida insustentável é, mais cedo ou mais tarde, reduzida. Mas o momento preciso e a natureza dessa redução faz uma enorme diferença para as perspetivas económicas de um país. E a Grécia está à beira de uma crise humana hoje, porque a reestruturação inevitável da sua dívida tem sido usada como uma desculpa para adiar o anúncio dessa reestruturação ad infinitum. Como um alto funcionário da Comissão Europeia me perguntou uma vez: "A vossa dívida vai ser cortada aconteça o que acontecer, então porque é que está a gastar um capital político precioso ao insistir que a reestruturação seja anunciada agora?"

A resposta deveria ter sido óbvia. Uma reestruturação da dívida ex ante, que reduza o tamanho de quaisquer novos empréstimos e torne a dívida sustentável antes que quaisquer reformas sejam implementadas, tem boas hipóteses de atrair investimento, estabilizar os rendimentos e preparar o terreno para a recuperação. Em nítido contraste, uma redução da dívida como a da Grécia em 2012, que resultou de um fracasso do programa, só contribui para manter a espiral descendente.

Porque é que os credores da Grécia se recusam a agir no que respeita à reestruturação da dívida antes de serem negociados quaisquer novos empréstimos? E porque é que preferem um novo pacote de empréstimo muito maior do que o necessário?

As respostas a estas perguntas não podem ser encontradas numa discussão sobre finanças sérias, sejam elas públicas ou privadas, pois residem firmemente no reino da política do poder. Dívida é sinónimo de poder do credor; e, tal como a Grécia aprendeu da maneira mais difícil, a dívida insustentável transforma o credor em Leviatã. A vida sob o seu poder está a tornar-se desagradável, brutal e, para muitos dos meus compatriotas, curta.

Os jovens, quer-se que sejam determinados? O exemplo de Jean Monnet, por ele mesmo.

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 005

Os jovens, quer-se que sejam determinados? O exemplo de Jean Monnet, por ele mesmo.

«Pode pensar-se, hoje em dia, que eu era demasiado optimista, o que, no entanto, não constitui um traço da minha personalidade. Apenas sou determinado: será possível, por exemplo, afirmar que uma acção necessária é impossível enquanto ela não for tentada?» (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 27)
 «Percebi [em 1914, quando foi decretada a mobilização geral em França e Monnet foi dado como inapto por motivos de saúde] rapidamente o que tinha de fazer, já que era evidente que os aliados viriam a confrontar-se com um enorme problema: o da coordenação do esforço de guerra. Se isso se impunha ao meu espírito era por eu ser muito jovem [Monnet andava pelos 26 anos] e não apesar de o ser. Era, com efeito, um problema novo, já do século XX, que uma inteligência isenta de preconceitos, sem recordação do passado, discernia melhor do que o fariam peritos imbuídos de concepções do século XIX.» (ibidem, p. 46)
(nesta fotografia, Jean Monnet, tinha acabado de completar 34 anos; corria o mês de Dezembro de 1922)

Será que os meus alunos se lembrarão de um professor que, nas aulas, sempre insistia em dizer-lhes que, para os grandes problemas do Mundo actual, as verdadeiras soluções só virão do rasgo dos mais novos, e que cada nova criança que vem ao mundo é um renovado  e tremendo potencial de inteligência, capacidades criativas, sentido de interajuda e descoberta de soluções? E que eles, os alunos, têm de ser capazes de acreditar em si mesmos, e no seu empenho na vida das suas comunidades de pertença?

terça-feira, 28 de julho de 2015

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 004

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 004

Encantadora - e sábia! - percepção das diferenças humanas e dos ritos agregadores das sociedades, de Jean Monnet

«Enriqueci a minha experiência de negociante - ou seja, a minha experiência como homem - durante esses anos em que viajei muito, por Inglaterra, mais uma vez, pela Suécia, pela Rússia. Ia ao Egipto, onde descobri outras formas de persuasão. Acompanhava o agente grego da nossa casa nas suas deslocações de aldeia em aldeia. Visitávamos os armazenistas, que nos convidavam para sentar, tomavam café connosco e regressavam em seguida às suas ocupações. Sabíamos que tínhamos de contar com um tempo de espera considerável. Depois, Chamah, o grego, decidia que era preciso concluir. Anotava, então, num caderno o que considerava ser a quantidade razoável, e que nunca era discutida, a destinar ao nosso cliente. Tinha respeitado os ritos. Mais tarde, no Oriente, voltei a encontrar esta importância do tempo que, por vezes, leva a duvidar que Cognac(1) fique mais perto de Nova Iorque do que de Xangai. Na China, há que saber esperar, Nos Estados Unidos, há que saber voltar. Eis duas formas de paciência para a qual o conhaque(2), fruto de uma determinada duração, tão bem predispõe.» (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004 (1976), p. 45)
«J'enrichissais mon expérience de négociant – c'est-à-dire mon expérience d'homme – pendant ces années où je voyageais beaucoup, en Angleterre à nouveau, en Suède, en Russie. J'allais en Égypte où j'appris d'autres formes de persuasion. J'accompagnais l'agent grec de notre maison de village en village. Nous visitions les grossistes, qui nous faisaient asseoir, buvaient le café avec nous et vaquaient à leurs affaires. Nous savions qu'il fallait attendre un temps raisonnable. Puis Chamah, le Grec, décidait qu'il fallait conclure. Alors, il écrivait sur un carnet la quantité raisonnable qu'il estimait devoir être prise par notre client et qui n'était jamais discutée. Il avait respecté les rites. Plus tard, en Orient, je retrouverai cette importance du temps, qui fait douter quelquefois que Cognac soit plus près de New York que de Shanghai. En Chine, il faut savoir attendre. Aux États-Unis, il faut savoir revenir. Deux formes de la patience à laquelle le cognac, fruit d'une certaine durée, prédispose si bien.» 
(1) Terra natal de Jean Monnet, em França.
(2) O pai de Jean Monnet era negociante de conhaque, e envolveu o filho no negócio desde muito cedo; "oficialmente" desde os 16 anos de idade.

PENSAR COM JEAN MONNET: OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 003


A COMUNIDADE EUROPEIA - QUAL O SEU FIM?... O QUE É ELA?...

"Mas o tempo passa e a Europa está a marcar passo no caminho por onde já avançou profundamente... Não podemos deter-nos quando à nossa volta o mundo inteiro está em movimento. Será que fiz compreender suficientemente que a Comunidade que criámos não tem um fim em si mesma? A Comunidade é um processo de transformação que dá continuação àquele de onde resultaram as nossas formas de vida nacionais ao longo de uma fase anterior da História. Tal como no passado, as nossas províncias, hoje os nossos povos têm de aprender a viver conjuntamente, com regras e instituições comuns livremente aceites, se é que pretendem atingir as dimensões necessárias ao seu progresso e conservar o controlo do seu destino. As nações soberanas do passado já não são o quadro onde os problemas do presente podem resolver-se. E a própria Comunidade não é mais que uma etapa em direcção a formas de organização do mundo de amanhã."  (Jean Monnet, Memórias, Ulisseia, 2004, p. 530)

A EUROPA DE JEAN MONNET ERA A DA CONFIANÇA - OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 002

OS VEZES E OS REVEZES DO IDEAL EUROPEU - 002
"Au cours du voyage que nous venons de faire aux Etats-Unis un journaliste m’a
demandé : 'cette Europe que vous êtes en train de faire, elle résulte de la pression soviétique!' J’ai dit : 'Non, l’Europe que nous sommes en train de faire n’est pas le fruit de la crainte. Elle est le résultat de la confiance que nous avons en nous-mêmes et de la certitude que si, enfin, les Européens comprennent ce qu’il y a chez nous de qualités communes et de capacité, nous établirons un monde occidental qui apportera à la civilisation tout entière, à la paix, à l’Amérique, à la Russie une sécurité qui ne pourrait pas être obtenue d’une autre manière'." (Discours, Strasbourg, 15 juin 1953.) 
 "Durante a viagem que acabámos de fazer aos Estados Unidos, um jornalista perguntou-me: «A Europa que estão a fazer é o resultado da pressão soviética!» Eu disse: «Não, a Europa que estamos fazendo não é o resultado do medo. É o resultado da confiança que temos em nós mesmos e na certeza de que, se os europeus finalmente entenderem que há em nós qualidades e capacidades comuns, vamos estabelecer um mundo ocidental que trará a toda a civilização, à paz, à América, à Rússia, uma segurança que não poderia ser obtida de outra maneira.»
A EUROPA DE JEAN MONNET ERA A DA CONFIANÇA...
mas a Europa dos actuais líderes é a da falta de confiança permanente; e a do medo - o medo do Outro, seja europeu ou não-europeu. Os outros foram, em tempos ainda há pouco desaparecidos, bons; bons enquanto se deixaram, de forma mais dócil ou mais rebelde, colonizar e explorar pelos europeus; agora já não são bons. E também agora de todos os vizinhos se desconfia. Mais uma vez, os líderes alemães à frente; e os seus apaniguados.

P.S. - É claro que Jean Monnet também fala de regras e do seu cumprimento; mas a quem histrionicamente agita a bandeira das sacrossantas regras recomendo a leitura (ou releitura) de outras dimensões do multidimensional projecto europeu. Na verdade, há muita gente a opinar, a comentar, a criticar, do alto de uma ignorância confrangedora de tanta, mas mesmo tanta coisa (sobretudo factos - muitos factos -; valores e sistemas de pensamento); e onde não há informação clara e sustentada, irrompem os estereótipos, os preconceitos, as crenças irracionais; os pensamentos supersticiosos, os argumentos impositivos e as conclusõe autoritárias - que a vertigem da sucessão mediática permite ir disfarçando...

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Uma ideia da Europa - 001

AS MEMÓRIAS DE JEAN MONNET - 001

«No fundo de cada povo, até mesmo de cada indivíduo, perdurara por demasiado tempo o sentimento de que seria poupado a essa desgraça  [a da vontade de hegemonia total de Hitler] e de que conseguiria escapar-lhe pelos seus próprios meios.» (p. 16)
Esta consciência, ou queixume, teve-a Jean Monnet - pelo menos retrospectivamente -, em 1940, quando as tropas alemãs avançavam imperialmente sobre a França; e ele insistia na fusão - não apenas aliança - entre a França e o Reino Unido, e com a expectativa de que os Estados Unidos da América se lhes juntassem, ou ajudassem - pelo menos, nos esforços de guerra.

  1. Substituamos Hitler por Merkel, ou Schauble, ou o holandezinho aldrabão.
  2. Vejamos o que se passou com a Grécia e o que nós lhe recusámos de solidariedade.
  3. Depois olhemos para o governozinho que o "socialista" Hollande quer criar - que agora até a Espanha quer incluir.
  4. E assim temos o inverso da Europa que um dia Jean Monnet sonhou...